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Os primeiros anos do OP em Porto Alegre: as pessoas que mudam o bairro, mudam a cidade

  Intervenção de Gerson Almeida na Conferência do OIDP 2022 em Grenoble

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Agradeço aos organizadores desta Conferência da OIDP e à cidade de Grenoble pela oportunidade de estar com todos vocês, pessoas que contribuem decisivamente para o avanço e reinvenção das práticas de OP's e de democracia participativa no mundo.  

Quando recebi esse gentil convite, o campo democrático no Brasil estava dividido entre a esperança e o medo.  

Felizmente, a esperança venceu e foram abertas novas possibilidades promissoras para a democracia participativa, mesmo que seja perversa a herança de um governo negacionista da pandemia, das mudanças climáticas e hostil aos procedimentos democráticos. 

Depois de termos conseguido tirar o Brasil do Mapa da Fome das Nações Unidas e diminuído o desmatamento da Amazônia em 67% - nos governos do presidente Lula e de Dilma (2002 a 2016) -, cerca de 40 milhões de brasileiros voltarem a passar fome e o desmatamento da Amazônia cresceu 73%, apenas nos três primeiros anos do atual governo.

Não é acaso que esses retrocessos civilizatórios tenham ocorrido depois do esvaziamento dos espaços de participação e do desmonte dos mecanismos de fiscalização e controle ambiental, que foram frutos exitosas dos processos participativos nacionais, por meio dos Conselhos, das Conferências e das Mesas de Negociação Nacional.

As 74 Conferências Nacionais ocorridas entre 2003 e 2010 mobilizaram diretamente mais de cinco milhões de pessoas nas suas etapas municipais, estaduais e nacional; e os 18 novos Conselhos Temáticos legaram programas e projetos de grande impacto para a diminuição das imensas desigualdades existentes no Brasil.   

As deliberações desta ampla mobilização participativa são responsáveis pela criação do Programa Nacional de Moradia Popular, do Sistema Nacional de Assistência Social, do Programa Nacional da Juventude, do Programa Nacional de Políticas para as Mulheres, do Programa Nacional de Promoção da Igualdade Racial, da Política Nacional Sobre Mudança do Clima, etc.  

É promissor, portanto, que a primeira agenda internacional do governo eleito tenha sido para a COP27, no Egito, onde afirmou que o combate às mudanças climáticas terá o mais alto perfil na estrutura do seu novo governo e que, até 2030, o desmatamento da Amazônia será zerado.  

Além disto, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), enfatizou que que "não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desigualdades entre ricos e pobres."  

Como a preservação das florestas é fundamental para o cumprimento dos pactos globais sobre o clima e para alcançarmos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a determinação de construir uma aliança entre Brasil, Indonésia e Congo, que juntos detém 52% das florestas tropicais primárias remanescentes do planeta, pode servir de estímulo para que haja mais ousadia dos governantes no cumprimento dos acordos globais.

Há um outro anúncio feito na COP27, que me fez lembrar dos anos iniciais de construção do OP em Porto Alegre, mesmo sabendo que as circunstâncias atuais sejam bastante diferentes.

 

Um ministério para os povos originários para proteger a Amazônia

O presidente eleito anunciou a decisão de criar o Ministério dos Povos Originários, num gesto de reconhecimento do protagonismo que os indígenas que vivem na floresta devem ter nas decisões das políticas de preservação da Amazônia.

Uma decisão inédita na história do Brasil, um país que possui 256 povos indígenas - que falam 150 diferentes línguas e formam uma civilização que desenvolveu a cultura milenar de viver na floresta e preservar as suas riquezas naturais. Seu modo de vida construiu uma tecnologia social preservacionista, responsável por ainda termos Amazônia para preservar e com a qual temos muito o que aprender. 

A analogia com os primeiros passos da construção do OP em Porto Alegre é a decisão de, diante de desafios tão grandes, saber reconhecer a importância do conhecimento de cada pessoa e incorporá-la nos processos de decisão. Essa é a ideia-força que fez surgir o OP, cujos dilemas vividos nos seus primeiros passos desejo compartilhar.  

     

Um compromisso com a democratização, sem saber como fazer      

Quando ganhamos as eleições, em 1988, com Olívio Dutra e Tarso Genro, nenhum analista político considerava essa possibilidade e as pesquisas nos destinava num distante quarto lugar.  

Nossa campanha foi dizer à cidade que era preciso ter "coragem de mudar" e transformar as relações entre Estado e sociedade por meio da "democratização da gestão pública" e do "fortalecimento da organização autônoma da sociedade civil", mas ninguém sabia a forma de realizar este compromisso. Na sua posse, Olívio Dutra reafirmou o compromisso "vamos estimular todas as formas de organização do povo", disse ele.   

 

A realidade logo mostrou que nada seria fácil  

Sabíamos que seriam grandes as dificuldades para democratizar a gestão pública, mas a realidade se mostrou ainda mais complexa.

A cidade estava com o orçamento totalmente comprometido, o pagamento aos fornecedores estavam mais de seis meses atrasados e a folha de pagamento dos servidores comprometia mais de 95% da receita.

Uma situação muito difícil de ser resolvida, pois não havia recurso disponível para submeter à decisão da população e os movimentos populares tinham grandes expectativas de soluções rápidas para as suas carências nunca atendidas. Para piorar ainda mais, no início do governo, os empresários do transporte público pararam a circulação dos ônibus urbanos e a situação que era ruim, piorou.      

 

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